Introdução: O valor prognóstico da troponina T ultrassensível (hsTnT) no cenário da cirurgia valvar (CV) por endocardite infecciosa (EI) permanece desconhecido. Objetivamos avaliar a associação entre valores pré-operatórios de hsTnT e óbito hospitalar em 30 dias, além de complicações neurológicas.
Métodos: Analisamos 104 adultos submetidos a CV por EI divididos em três Grupos: G1 [hsTnT ≤14ng/L], G2 [hsTnT até 5x o limite de normalidade (15 a 69ng/L)] e G3 [hsTnT ≥70ng/L]. Complicações neurológicas foram definidas por novo episódio de coma, convulsão ou déficit focal associado a lesão encefálica aguda documentada por imagem. Análises de regressão logística e curvas de Kaplan-Meier foram utilizadas para avaliar associações e impacto da hsTnT pré-cirúrgica na mortalidade.
Resultados: Os Grupos foram similares quanto a idade, sexo, índice de massa corpórea, função ventricular esquerda, CV prévia, doença pulmonar crônica, hipertensão arterial e diabetes mellitus. G3 apresentou maior EuroScore comparado a G2 e G1 (10 vs. 9 vs. 6 pontos, respectivamente; P<0,001).Esses pacientesforam mais submetidos a CV aórtica (72,5% vs. 40,5% vs. 42,9%, respectivamente; P=0,006) e necessitaram de mais hemodiálise (23,5% vs. 12,5% vs. 0%, respectivamente; P=0,036) e ventilação mecânica >24 horas (51,0% vs. 37,5% vs. 14,3%, respectivamente; P=0,015), embora sem diferenças para abordagem valvar múltipla, tempo de circulação extracorpórea ou injúria renal aguda. A permanência em leito intensivo foi maior para G3 (9 vs. 6 vs. 3 dias, respectivamente; P=0,001), que também apresentou maior mortalidade em 30 dias (35,3% vs. 15,6% vs. 9,5%, respectivamente; P=0,027). Apesar das curvas de Kaplan-Meier indicarem menor sobrevivência para G3 (64,7% vs. 84,4% vs. 90,5%, respectivamente; P=0,027), a análise de regressão logística ajustada para o EuroScore não identificou a hsTnT como preditor independente de óbito hospitalar [G3 vs. G1: Odds Ratio (OR) 2,20; Intervalo de Confiança 95% (IC95%) 0,39 a 12,32] ou do desfecho composto por mortalidade e complicações neurológicas [G3 vs. G1: OR 2,44; IC95% 0,55 a 10,78].
Conclusão: Em nossa casuística, elevações pré-operatórias de hsTnT estão associadas à mortalidade hospitalar pós-CV por EI. Contudo, ao ajustar o modelo para o EuroScore, a hsTnT não se mantém como preditor independente de óbito até 30 dias ou para o desfecho composto por morte e complicações neurológicas. Estes achados destacam a importância da contextualização clínica e pré-operatória na interpretação da hsTnT como biomarcador prognóstico.