INTRODUÇÃO: Pacientes com angina refratária (AR) apresentam sintomas limitantes decorrentes de isquemia miocárdica. Além disso, frequentemente apresentam doença arterial coronariana (DAC) grave associada, de modo que o conceito de hibernação miocárdica pode ser utilizado para explicar a fração de ejeção (FE) reduzida de uma parcela desses pacientes. No entanto, apesar do sólido racional por trás deste conceito, os mecanismos pelos quais alguns pacientes com AR não desenvolvem disfunção ventricular na presença de isquemia miocárdica ainda não são muito bem compreendidos.
OBJETIVO: Comparar características clínicas de pacientes com AR e DAC grave que possuem FE preservada em relação aos que possuem FE reduzida.
MÉTODOS: Foram incluídos 151 pacientes encaminhados para um centro de angina refratária de um hospital terciário entre os anos de 2020 e 2022. Os critérios de inclusão foram: 1) pacientes com angina limitante (Canadian Cardiovascular Society [CCS] 3 ou 4) em uso de pelo menos 2 antianginosos ou 2) pacientes com angina CCS 1 ou 2, em uso de pelo menos 3 antianginosos. Os pacientes foram divididos em 2 grupos de acordo com a FE do ventrículo esquerdo (FEVE). O grupo 1 era composto por 96 pacientes com FEVE preservada (≥50%) e o grupo 2, pelos 55 restantes com FEVE reduzida (<50%). Foram coletados dados demográficos, histórico de comorbidades, infarto agudo do miocárdio (IAM) prévio, cirurgia de revascularização miocárdica e angioplastia coronariana. Também foram obtidos dados de ecocardiograma, cineangiocoronariografia e cintilografia de perfusão miocárdica. O grau de circulação colateral foi quantificado por meio da classificação de Rentrop.
RESULTADOS: A maioria dos pacientes eram homens (62,9%) com uma média de idade de 64±9 anos. Cerca de 39% apresentavam angina limitante (CCS 3 ou 4). Não houve diferença entre os grupos em relação à prevalência dos fatores de risco cardiovasculares tradicionais. Entretanto, pacientes com FEVE preservada apresentavam uma menor taxa de IAM prévio (66% vs 87%; p=0,007), assim como uma menor prevalência de DAC multiarterial (92,7% vs 98,2%; p=0,037). Não houve diferença significativa entre os grupos em relação ao número de áreas isquêmicas pela cintilografia ou grau de circulação colateral.
CONCLUSÃO: Pacientes com AR sem histórico de IAM prévio e com DAC menos extensa frequentemente possuem FEVE preservada. Por outro lado, a presença ou ausência de fatores de risco cardiovascular tradicionais, assim como o grau de circulação colateral, não estão associados à preservação da função ventricular nesses pacientes.