Introdução: A reativação da doença de Chagas é uma complicação possível nos pacientes com miocardiopatia chagásica que se submetem ao transplante cardíaco, uma vez que o paciente se torna imunossuprimido e assim, mais propenso à infecções (novas e/ou reativações).
Relato de caso: Masculino, 64 anos, transplante cardíaco ortotópico em 2021 por miocardiopatia chagásica, com episódios prévios de rejeição celular 2R, em uso de imunossupressão com tacrolimus, micofenolato de sódio 360 mg 2xd e prednisona 5 mg/dia. Admitido por quadro de confusão mental, hemiparesia direita discreta e afasia de predomínio motor. Ressonância magnética do encéfalo evidenciou lesões inflamatórias nas regiões frontal posterior direita e temporoparietal esquerda com extenso edema perilesional e desvio de linha média. Realizada punção liquórica, cuja microscopia óptica à fresco evidenciou presença de tripomastigotas no sobrenadante. Iniciado tratamento com benznidazol 5 mg/kg/dia, inicialmente trocado micofenolato de sódio por azatioprina, sendo esta, logo, suspensa diante de uma leucopenia. Paciente apresentou boa evolução clínica na enfermaria, recebendo alta hospitalar após 7 dias de tratamento específico para triponosomíase com proposta de manutenção ambulatorial por 9 meses. Discussão: O neurochagas compreende um espectro de alterações neurológicas associadas a reativação da doença de Chagas, tais como meningoencefalite, disautonomia, distúrbios neuropsiquiátricos e lesões expansivas focais, esta última forma representando o caso em tela. A neuroimagem (com ênfase na ressonância magnética do encéfalo) tem papel preponderante na caracterização tecidual dessas lesões focais, e a análise do líquor complementa a investigação complementar inicial. Conclusão: Neurochagas é uma forma rara de reativação da doença de Chagas no pós-transplante cardiaco, porém apesar de sua raridade, deve ser sempre apresentada como hipótese, diante de sua gravidade na falha do tratamento. O diagnóstico se baseia em neuroimagem e análise do líquor e o tratamento específico é feito com benznidazol 5-7 mg/kg/dia dividido em 2 tomadas por 3 a 9 meses, havendo ainda a possibilidade do ajuste no esquema imunossupressor, na troca do antiproliferativo de micofenolato para azatioprina.