Introdução
Angina refratária (AR) é uma condição desafiadora e debilitante, na presença de isquemia miocárdica, não controlada após combinação de antianginosos e procedimentos de revascularização. Entre os fenótipos de AR, há a angina na ausência de doença coronariana obstrutiva (ANOCA). As fístulas das artérias coronárias (FACs), geralmente congênitas, são raras conexões entre coronárias e câmaras cardíacas ou vasos. 3% das FACs drenam no ventrículo esquerdo, podendo levar ao fenômeno de “roubo” do fluxo miocárdico e ao aparecimento de angina na forma de ANOCA. Relatamos caso de síndrome coronariana crônica (SCC) sintomática e FAC.
Relato de caso
Mulher de 85 anos com SCC obstrutiva já submetida a duas angioplastias foi encaminhada a hospital terciário devido à progressão de angina, chegando à classe funcional 3 e necessidade frequente de nitrato de ação rápida para alívio, apesar do uso de três antianginosos e duplo-produto controlado. A cintilografia de perfusão miocárdica sob estresse mostrou hipocaptação reversível nas paredes lateral, inferolateral e inferior do ventrículo esquerdo. Realizada, então, coronariografia que revelou ausência de obstruções. Entretanto, identificou-se FAC para o ventrículo esquerdo em localização compatível ao território isquêmico. Optou-se pela associação do 4o antianginoso. Após 3 meses, houve melhora do limiar e intensidade de angina (classe funcional 2) e redução do consumo de nitrato. Em nova cintilografia, observou-se normalização da captação do radiofármaco.
Discussão
As FACs são raras, vistas em até 0,2% das coronariografias. Elas podem acarretar insuficiência cardíaca (IC), isquemia miocárdica e arritmias. O tratamento baseia-se na clínica, na idade do paciente e no significado hemodinâmico da FAC. Jovens menores de 20 anos devem ser tratados para FACs hemodinamicamente significativas, independentemente dos sintomas, já que 75% dos pacientes progridem para IC. Para adultos, uma das indicações de oclusão das FACs é a presença de isquemia miocárdica relacionada à mesma. No entanto, a associação entre AR e FAC é raramente descrita na literatura. Aqui, ilustramos o caso de uma octogenária com AR, ANOCA e FAC que, antes de considerar tratamento intervencionista, procedeu-se a otimização medicamentosa com excelente resposta e melhora documentada da perfusão cardíaca.
Conclusão
Diante de angina de difícil controle e ANOCA, a otimização clínica com combinação de diversas classes de antianginosos pode promover controle sintomático e melhora da isquemia miocárdica, mesmo frente a causas incomuns como a aqui relatada.